Quantcast
Channel: Escriba Cafe » Ensaios
Viewing all articles
Browse latest Browse all 32

O Fascismo do Mundo Globalizado

$
0
0
Raw Hate by Tamás Kabdebó

Raw Hate by Tamás Kabdebó

A palavra bárbaro, de origem grega, deriva de um radical chamado barbaroi, que significa “canto de pássaro”.

“Todo aquele que não fala minha língua e não compartilha da minha cultura é tão incompreensível quanto o canto de um pássaro.”

Para os gregos, eram bárbaros os que não falavam grego, para latinos, eram bárbaros os que não estavam inseridos no contexto romano, e para os alemães nazistas, bárbaros eram todos aqueles que não possuíam as características da raça ariana.

De Neuville - The Huns at the Battle of Chalons

De Neuville – The Huns at the Battle of Chalons

O problema da barbaridade, da incompreensão do outro, é quando ela se torna um sentimento abstrato chamado preconceito, e o mal do preconceito é quando ele se concretiza na forma da discriminação, ou seja, quando ele é colocado em prática e o desejo de acabar com o incompreensível é maior do que a curiosidade de aprender sobre o diferente e aceitá-lo como algo vital para o mundo.

O fascismo, que foi mais uma das muitas formas de barbaridade já criadas pelo homem, floresceu no país mais culto da Europa, no país que lia Kant em alemão e que produziu Bach e Beethoven, no mesmo lugar cujo conceito de civilidade obedecia às normas das teorias de Francis Wolff até então.

Atualmente, fascistas de todos os países espalham os seus ideais em um mundo cada vez mais miscigenado e globalizado, defendendo a supremacia de sua raça e a condenação de grupos como homossexuais e feministas. Algumas organizações, como o Stormfront e o White Aryan Resistance — ambos dos Estados Unidos —, são famosos na internet e possuem mais de 60 mil membros ao redor do globo, inclusive no Brasil. Outras organizações são partidárias e integram a política do país de maneira ativa, como o Partido Nacional Democrata da Alemanha e o Frente Nacional da Inglaterra. No Brasil, os movimentos fascistas mostram sua força no sul do país, porém, recentemente com a reeleição da presidente Dilma Rousseff, grupos fascistas de diversas partes do país, que associam o resultado eleitoral à região nordeste, protestaram e pediram até mesmo intervenção militar no governo e impeachmment da então presidente.

INF3-318 Unity of  Strength_Together (British Empire servicemen)

INF3-318 Unity of Strength_Together (British Empire servicemen)

O mundo atual vive o seu período mais próspero, cienficamente falando. Nunca o homem se viu com tantos recursos e com tanto conhecimento ao seu dispor e, mesmo assim, conceitos retrógrados como o fascimo e o nacionalismo ufanista renascem numa apologia de fragmentação. Partidos conservadores de direita ganham força no velho continente e nas Américas, e a união promovida pela globalização as vezes parece estar perto do colapso. Por que a globalização, ao invés de promover a diminuição dos nacionalismos e do preconceito através da familiarização com o diferente, só aumentou esses sentimentos? A resposta deveria ser simples: não conseguimos lidar com o que é diferente e ponto final. Mas as coisas são um pouco mais profundas do que isso e a questão, claro, é um problema educacional que aflinge o mundo todo.

Só agora vemos de fato algumas heranças da Segunda Guerra que antes estavam ofuscadas pela Guerra Fria, principalmente heranças ideológicas. O fascismo por exemplo é abafado e pouco comentado exatamente por ser infame e ofender boa parte das pessoas. Entretanto, ele está mais presente no cotidiano do que se imagina e não apenas em adolescentes de cabeça raspada. Ofuscar esse problema é o primeiro erro do método educacional falho. Se algum homosexual é ofendido por um colega de classe, ou um negro é recusado em algum emprego simplesmente pela cor da sua pele, logo imaginamos que o problema é somente o preconceito. Mas, de onde vem esse preconceito afinal? De onde herdamos toda essa discriminação?

Anti Japanese Propaganda Take Day Off

Anti Japanese Propaganda Take Day Off

O fascimo é uma herança amarga. Ele está no preconceito de cada dia, nos abusos do Estado que prega um patriotismo xenófobo como forma de colocar a culpa dos problemas econômicos nos imigrantes, no deficiente físico que ainda é esquecido pela maior parte da população, e até mesmo na economia que seleciona a melhor região para se investir. No âmbito estatal, essa ideologia também se esconde na forma da apologia de fragmentação, mostrando uma tendência mundial de reduzir o estado às suas formas comuns. Prova disso é que os conflitos entre países diminuíram, enquanto que os conflitos internos que buscam independência de regiões com “identidades comuns” em um mesmo país só aumentaram, além do crescente número de grupos terroristas espalhados pelo mundo, todos querendo defender seu território, sua raça ou religião.

O fascismo não é mais sobre alemães que defendem o branqueamento populacional ou que são contra os judeus, e sim sobre cada extremista que prega a supremacia do seu grupo, seja ele um grupo religioso ou um grupo com determinadas escolhas sexuais.

'Destroy this mad brute' WWI propaganda poster (US version)

‘Destroy this mad brute’ WWI propaganda poster (US version)

Em “Notas Sobre o Nacionalismo”, George Orwell expõe exatamente o quão perigoso o nacionalismo pode ser. O autor explica a diferença entre o conceito de patriotismo e nacionalismo, que para ele são totalmente diferentes. O termo Pátria, vem do latim pater, que significa pai, sugerindo uma familiarização com determinada região, sua geografia, sua língua, seus costumes e pessoas, sendo um sentimento mais concreto, natural e palpável. Já o nacionalismo seria um pressuposto mais abstrato em que elementos de identificação não naturais são impostos apenas com o objetivo de valorizar a própria nação pela humilhação de outras. Logo, as pessoas não se tornariam xenófobas por patriotismo, sendo o nacionalismo um incentivador muito maior. Nacionalismo para Orwell é a importância bestial que se dá à uma linha territorial divisória ou uma bandeira, por exemplo.

O fascismo e o nacionalismo trazem sentimentos de orgulho de origem étnica e o ressentimento contra supostos desprezos por parte de terceiros. A globalização, ao mesmo tempo que é um dos promotores, pode ser também a solução. O ser humano gosta daquilo que conhece, enquanto que o desconhecido é desprezado, repudiado. Israelenses e Palestinos que convivíam bem nos anos 80/90, tinham enorme respeito uns pelos outros, alguns eram colegas de trabalho e a troca turística acontecia de maneira natural. Sem essa convivência, as narrativas extremistas ganham força, como aponta o jornalista Gustavo Chacra ao escrever sobre os conflitos na faixa de Gaza. Jovens que hoje, com 20 anos, não possuem a memória desse contato e a maioria palestina sequer já viu um israelense, assim como a maioria israelense também sequer já viu um palestino, o que piora as disputas civis já que a população passa a ter acesso apenas ao que o estado mostra.

Além da familiaridade necessária e a convivência com a cultura do outro, a tese do professor Leandro Karnal sobre educação religiosa aponta que a solução está na Tolerância Ativa: Não deve-se apenas tolerar, mas reconhecer que a existência do outro é fundamental para a sua própria, fundamental para a vida e para o desenvolvimento do mundo. As pessoas não nascem religiosas ou nacionalistas, muito menos nascem com a noção de que a sua linhagem é nobre, a sociedade as ensina isso em um primeiro momento, como diria Rousseau. Porém, após adquirir o discernimento necessário, o ser é capaz de sair de Rousseau e entrar em Locke, tornando-se exatamente o que ele quer ser, e isso inclui escolher entre a civilização e a barbárie.


Viewing all articles
Browse latest Browse all 32

Latest Images





Latest Images